quinta-feira, março 15, 2018

Será feitiço?

Quando sexta-feira coincide com o número treze, há a ideia generalizada de que se trata de mau presságio. Contudo, em Montalegre, considerada a capital do misticismo, este fenómeno é sinónimo de sorte grande. A um mês da primeira SEXTA13 do ano, a vila transmontana está completamente lotada e preparada para receber e deliciar os milhares de visitantes. Com pouco mais de dez mil habitantes, o concelho recebeu e ultrapassou já no ano 2015 a fasquia dos quarenta mil espectadores. Este sucesso é também reconhecido pelas entidades nacionais, ilustrado na conquista de vários prémios, como o Revelação do Ano, na III Gala de Eventos e Melhor Evento Público no ano 2010, proeza que repetiu no ano seguinte, ultrapassando eventos de Lisboa, Faro, Funchal, entre outros.
Trata-se de um evento relativamente recente, encabeçado pelo conhecido Padre Fontes, no ano 1996. Tem origem numa brincadeira do próprio, cujo objetivo foi combater a crendice popular, na qual se acreditava que precisamente nesse dia as bruxas se reuniam nas encruzilhadas de quatro caminhos e pregavam partidas ao comum dos mortais. De tal forma que o pároco anunciou que este era também o melhor dia para as apanhar e afugentar o mau olhado, a inveja e os maus espíritos. Isto tudo, através da união das pessoas e da queimada. Bebida que deve ser tomada, depois de esconjurada e queimada, em todas as Sextas13. Esta ideia foi, desde o primeiro instante, apoiada pelos restaurantes locais, que decidiram participar com a organização de jantares embruxados. Nasceu assim uma festa da população para a população, onde há uma espécie de tréguas entre o profano e o católico, na qual pessoas de diferentes faixas etárias se unem pelas ruas da vila, e que despertou a curiosidade da opinião pública. Uns por curiosidade, outros por superstição aos poucos transformaram este evento numa autêntica romaria!
Uma vila localizada num concelho rural, totalmente periférica, sofre tal como outras terras do interior, o abandono, a desertificação e o flagelo do desemprego. Percebeu-se que a SEXTA13 era efetivamente, uma brincadeira de bom gosto que agradava e seduzia pessoas a nível nacional, mas também internacional. De forma consciente, a autarquia apostou e decidiu que este podia ser um dos pilares para inverter o sentido do fluxo turístico em Portugal, incentivar as práticas culturais, promover a região e a sua cultura. A partir do ano 2002, a Câmara assumiu a total organização do Evento: estabeleceu metas e estratégias; construiu uma equipa coesa; profissionalizou-o; criou símbolos, uma imagem e merchandising sólido. Estabeleceu uma série de rituais para enriquecer o programa, fomentou e colaborou com ideias empreendedoras dos habitantes, ao mesmo tempo e não menos importante realizou programas exaustivos de promoção, que lhe valeu no ano 2014 o prémio de melhor publicidade do evento, na VII Art &Tour – Festival Internacional de Cinema e Turismo. Desta forma, deixou de ser apenas um evento local, regional e tornou-se num grande evento nacional.
O estado de graça que a SEXTA13 gozou desde o início, aliado às políticas regionais que foram instituídas, resultam no que hoje é apelidado como um dos melhores eventos de rua do país. Com um retorno, garantem os autarcas, de um milhão de euros, esgota a capacidade hoteleira e de restauração não só no concelho mas também dos seus adjacentes, como Boticas, Chaves e Xinzo de Limia, em Espanha. É um dia em que a vila se transforma por completo, e mesmo aqueles que não retiram dividendos diretos fazem questão de dar o seu contributo, porque a sentem sua e sabem que fazem parte da equipa. 
O sucesso inesperado daquele que parecia ser o parente pobre da família, com todas as condições para fracassar, não é feitiço, nem bruxaria. É o resultado de uma atitude ativa, empreendedora e visão visionária de um Padre que logrou movimentar um povo. Demonstra que com muito pouco, através de medidas, objetivos, planificação e políticas assertivas por parte dos agentes locais, se pode fazer muito. O seu sucesso sente-se ao longo de todo o ano, com os diferentes públicos que procuram a região, para quem Montalegre se tornou visível através da realização destas e outras iniciativas. O dito sucesso está também na autoestima dos residentes, que preservam e ostentam todo o seu património cultural das mezinhas, das rezas e dos chás sem qualquer tipo de pudor. Muito pelo contrário, há desde então uma microeconomia concelhia que gira em volta destes produtos.
O grande desafio reside agora em manter a qualidade e não ceder à tentação de satisfação com o que já foi alcançando. Isto, sem ao mesmo tempo banalizar e/ou perder o seu cariz peculiar e a envolvência da população. Só desta forma é possível continuar a conquistar quem participa pela primeira vez, satisfazer os milhares que repetem a experiência e, acima de tudo, os residentes.

Inês Americano Lopes.

Webgrafia:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Padre_Fontes [consultado em:10/03/2018]

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Património Cultural e Políticas de Desenvolvimento Regional”, no curso de Mestrado em Património Cultural do ICS, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2017/2018)

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