segunda-feira, março 12, 2018

Turismo Criativo como espelho dos (novos) tempos

Num mundo atual extremamente globalizado, assolapado pelas tecnologias de informação e comunicação e, agora, pelas redes-sociais – fatores que contribuem para a mundialização da cultura (e, por conseguinte, a universalização do turismo), é inevitável que o turismo se estabelecesse como atividade económica à escala global. Entre os tipos, de turismo destaco o Turismo Criativo. Permito-me explanar/opinar sobre o surgimento e em que consiste este fenómeno.
Um tipo de turismo relativamente “novo” surge como Turismo Cultural 2.0 ou degeneração natural deste: o Turismo Criativo. É pertinente definir, primeiro, turismo cultural como “atividade económica que junta o prazer de aprender com viagens e lazer: eventos, viagens, lazer e conhecimentos estão relacionados diretamente entre si”, considerado estatisticamente o mais significativo a nível europeu. O Turismo Criativo é diferente no sentido em que requer uma experiência participada na cultura.
Acredito que esta aldeia global que habitamos, encurtadas as distâncias através de pequenos aparelhos que carregamos religiosamente como extensão natural do nosso corpo, nos mudou, claramente. Alterou-nos em muitos aspetos (tema que daria para desdobrar-se em tantos outros subtemas), mas o aspeto que agora me importa é a mudança que decorreu em nós, consumidores, enquanto turistas e consumidores de turismo.
            Desde e depois de surgidas e implementadas as conceções sobre Direitos Humanos, Estado Social e, consequentemente, o (atrevo-me) revolucionário subsídio de férias (atribuindo às férias um papel e significado nunca concebido até então), cuja preocupação foi, acima de tudo,  garantir e colmatar lacunas nas necessidades elementares/básicas e garantir um nível de vida digno, que o ser-humano (tendo possibilidade) se preocupa em descobrir. Descobrir para além da área que percorre todos os dias nas viagens casa-trabalho.
Segundo dados da OCDE, em 2009, o Turismo Cultural representava 40% do mercado turístico internacional:
ora, se alguns autores consideram o turismo criativo como uma forma de turismo cultural (Carvalho 2010), outros classificam-no como a terceira vaga de turismo, seguindo o turismo de sol e praia e o turismo cultural per si. A UNESCO considera o Turismo Criativo como a nova geração de turismo.
Creio que a democratização no acesso à informação (à distância de um click), nos tornou mais informados, exigentes, atrevidos e curiosos para explorar. Já não queremos só turismo de praia e relaxamento, ou o turismo cultural por si só, desejamos participar ativamente numa atividade criativa singular ao visitar um destino. Queremos misturar-nos com a especificidade local através da autenticidade de uma experiência.
Portanto, turismo criativo pressupõe uma indústria de experiências genuínas e autênticas através de uma aprendizagem participada nas artes, património material e imaterial locais. Ou seja, a interação entre várias atividades, como indústrias criativas e culturais tradicionais e experiências ligadas ao mundo imaterial das artes e tradições endógenas.
O Turismo Criativo surge, na minha opinião, não só como consequência natural do desenvolvimento das tecnologias de informação e redes sociais mas, principalmente (e friso), com a sua consolidação enquanto plataformas indispensáveis ao dia-a-dia na criação de experiências “partilháveis” e “instagramizáveis”, por parte dos consumidores mas, também, com a sua utilização por parte de operadores turísticos, gestores e promotores de turismo locais/nacionais – e de todos os agentes que visam o consumo turístico. Outro fator foi a massificação do acesso à educação como direito basilar de todo o mundo desenvolvido (a porção do mundo que, realmente, usufrui do turismo).
Estas plataformas é que permitiram o surgimento do turista criativo – com esta realização, a oferta/organização/promoção do turismo mudaram mas, também, o valor da unicidade de cada local (como trunfo!). O Turismo Criativo, no meu ponto de vista, vem substituir – nos relatos dos turistas – o “eu vi” pelo “eu fiz”: “eu incluí-me no local e nos locais”.
O perfil deste turista criativo pode ser, genericamente, categorizável, é um indivíduo: com nível de instrução acima da média; com rendimentos, também eles, acima da média; que, ele próprio, pode estar envolvido no universo artístico; que exige qualidade e uma experiência personalizada como workshops/ateliês; que pretende desenvolver competências pessoais e o sentimento de autorrealização; que não procura uma experiência estandardizada ou os pacotes turísticos típicos – procura-se uma experiência imaterial, cultural e humana ao mesmo tempo – ativamente e participadamente vivida (desde workshops de pintura a cursos de dança locais, por exemplo).
Não creio que estejamos já numa era de boom do turismo criativo e penso que isso levará tempo, e verá o seu auge, talvez, na idade adulta/reforma da dita geração dos Millennials (regra geral, tendencialmente, com curso superior e crescidos por entre Ipads e outros Smart Devices), crescidos com a perfeita integração das companhias Low Cost, nunca abalados com revoluções mas sim educados, assistindo a revoluções tecnológicas diárias que, para eles, nunca exigiram qualquer tipo de adaptação ou consciência de transformação do statuos-quo. Esta geração gera(rá) adultos e graúdos diferentes, obviamente, impactando o turismo – criativo neste caso.
Este tipo de turismo está em fase de crescimento e será crucial num futuro próximo, face à emergência e impaciência pela procura de novas formas de lazer, novos estímulos ou novas necessidades intelectuais.
De facto, as vantagens deste tipo de turismo são por demais evidentes e facilmente elencáveis: de ressalvar a importância que este tipo de turismo tem (e terá) no impacte positivo na autoestima dos destinos e nos seus autóctones e, também, na crescente e urgente necessidade de reinventar e potencializar as economias locais. É um turismo com capacidade de se ajustar e complementar outros segmentos turísticos, como o gastronómico, o ecoturismo e eno-turismo (entre outros!). A descentralização que proporciona não sofre, regra geral, da sazonalidade. Ainda, contribui para a perpetuação e potencialização das tradições e património imaterial – por conseguinte, contribuindo para a manutenção da memória histórica coletiva. Por último, releva-se os conhecidos efeitos multiplicadores do turismo, que impactam, socialmente, a comunidade em causa.
Em Portugal, o Turismo Criativo cresce e posso avançar vários exemplos desse facto.
Cada vez mais localidades querem tirar partido e promover as suas diferenças e heterogeneidade.
Recentemente, Barcelos foi considerada Cidade Criativa da UNESCO e avançou com medidas inovadores no que ao turismo criativo diz respeito – tal distinção promove as artes e ofícios tradicionais – artesanato e artes populares. A par de Barcelos estão os municípios de
Braga, por Artes Mediáticas, e Amarante, pela Música.
Por entre a oferta de turismo criativo destaco, por exemplo, em S. João da Madeira, a possibilidade de o turista criativo poder “envolver-se na produção de artesanato local” ou “confeção de pratos regionais” e, ainda, participar em workshops de música e ateliês pedagógicos. Neste circuito, é sugerido a visita ao património industrial de S. João da Madeira, podendo aprender a fazer chapéus ou sapatos.
Outra possibilidade exemplificativa da oferta turística criativa passa-se em Gondomar: a rota da filigrana, criação recente dada a tradição dos ourives – aprendendo-se, nas oficinas, a fazer a filigrana.
Outra proposta deste tipo de turismo tem lugar no norte de Portugal – “ Os caminhos do Contrabando”, que sugere ao turista ser contrabandista, percorrendo a passagem para o outro lado da “raia” (fugas à guarda civil espanhola e à guarda fiscal portuguesa, incluídas), experimentando as dificuldades de transportar tabaco, café ou azeite. Acrescento, as vindimas no Douro Vinhateiro: a participação no pisar das uvas com provas de vinho e aprendizagem do processo de feitura do vinho.
Em Guimarães, outro exemplo: o desafio de experimentarmos as técnicas e materiais tradicionais utilizados na realização de caligrafia medieval e, no fim, poder-mos ficar com uma recordação única: a nossa própria obra! 
O turismo criativo afigura-se, assim, como uma nova tendência/moda, em que as pessoas não se limitam a comtemplar algo. Podem, sim, pôr as “mãos na massa” (nos valores culturais do local visitado) – tornando tudo mais intenso e vívido. 
João Ministro, director da ProActiveTur, consegue explicar numa frase que “em vez de olharem para um artesão a trabalhar, os turistas trabalham conjuntamente a seu lado na construção de uma peça. Isso é muito mais rico em termos interação com a comunidade e os seus valores”.
Loulé – um município que sofre da influência do turismo de massas da região do Algarve, está, por outro lado (querendo contrariar a tendencial oferta de sol e praia), a apostar numa oferta diferente, levando as pessoas para novas opções. "As pessoas querem levar para casa experiências marcantes, muito à base de emoções" - Graça Palma da ProActiveTur, empresa que oferece um catálogo de experiências que pode passar por aprender a fazer pasta de amêndoa ou papas de milho, brinquedos em cana e peças de olaria ou cestaria.
Concluo dizendo que, efetivamente, o Turismo Criativo é um fenómeno em crescendo, dados os tempos que vivemos – com necessidade de proliferação de novos estímulos para responder a novas necessidades de lazer, de fuga ao quotidiano e a exigências dos novos consumidores, ávidos por experiencias irrepetíveis e fora do turismo de massas, dos caminhos tantas vezes trilhados. Funciona(rá) como alternativa sustentável para a revitalização do interior ou dos centros não-urbanos. É um turismo que foge a uma certa homogeneidade na oferta de experiências e se destaca e se vende como sendo uma vivência pessoal única e rica – não materializável mas que perdura em nós, preenche e realiza.
Creative tourism is a projection of a new tourism in which natural, cultural and personal resources are not manipulated and exploited but valued and enriched” (Jalincic and Zuvelva, 2012).

Mariana Barbosa

(Artigo de opinião produzido no âmbito da unidade curricular “Economia do Turismo”, de opção, lecionada a alunos de vários cursos de mestrado da EEG, a funcionar no 2º semestre do ano letivo 2017/2018)

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